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segunda-feira, 24 de março de 2014

Adélia Prado e seus poemas sujos de vida




Aos 78 anos, Adélia Prado lança Miserere, seu oitavo livro de poesia. O leitor reconhecerá aí uma voz familiar, inconfundível em seu saltério mineiro de louvores, súplicas, cantos de órfã e de exilada. Mais um exemplar de uma poética ambivalente de reverência e irreverência, fervor e emoção erótica. Adélia continua a fazer seu cosmo poético em Divinópolis, cidade onde vive até hoje e que é metáfora do sagrado imiscuído às coisas do mundo em seus livros. Servem de síntese dessa poética versos de Senha, de Miserere: "Tento a rosa de seda sobre o muro / minha raiz comendo esterco e chão". Desabrochada do mais ordinário e cotidiano da vida, eis a rosa mística de Adélia.
 
Além desse cosmo já conhecido do leitor, onde "o velho também é mistério", há em Miserere uma ambivalência mais sutil, já presente em A Duração do Dia, livro anterior de Adélia, na imagem da neblina como respiração próxima de Deus. Esse "onipresente vapor" retorna agora como bruma que "provada no corpo é fria" e "na alma expandida é gozo". O sentimento dessa proximidade atravessa as quatro seções do livro: Sarau, Miserere, Pomar e Aluvião. Não por acaso, repouso é uma palavra recorrente no livro e frequente o tema da morte. "Pois o encontro agora escuro e fosco / no dia radioso é único e não cintila. / (...) / Vivo do que não é meu. / Toma pois minha vida / e não me prives mais / desta nova inocência que me infundes". Esse apelo em oração nos versos finais de Aluvião, único poema a compor a seção que fecha o livro, antecipa o gozo de um encontro que provado no corpo é repouso e na poesia de Adélia é lirismo.
 
Curiosamente, no livro Terra de Santa Cruz, de 1981, há também um poema intitulado Miserere. Nele, Adélia escreve: "Como gostaria de nascer de novo / e começar tudo generosamente". Isso é o que tem feito a cada livro, com um autêntico desejo de descoberta, de inocência, de olhar puro tantas vezes associado ao olhar do poeta no âmbito do discurso literário, embora cada vez mais raramente essa pureza seja posta em prática. Parafraseando Adélia em seu novo Miserere, o nome do espírito desse livro é coragem.

MISERERE
Autora: Adélia Prado
Editora: Record (96 págs., R$ 25)

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