O cantor pernambucano Alceu Valença foi
atropelado, essa semana, por uma bicicleta, enquanto caminhava na orla da praia
do Leblon, no Rio de Janeiro, onde atualmente mora. O compositor sofreu uma
fratura na mão esquerda e terá que dar uma pausa nos seus shows durante um
mês.
Veja o depoimento do cantor sobre o acidente:
Adoro andar de bicicleta. Mas neste dia deixei
minha eguinha na garagem e resolvi caminhar da minha casa, no Leblon, até o
Arpoador e voltar. Enquanto retornava pelo calçadão, ia cantarolando as belezas
do Rio: “Eu te procuro no Leblon, Copacabana / vejo velas de umbanda / um buquê
jogado ao mar”.
Ao passar em frente ao Posto 9, cantei: “Andar
andar / nas ruas do Rio de Janeiro / dezembro abril / a todo mundo eu dou psiu /
perguntando por meu bem /ainda resta um assobio / um desejo, nada além”.
Ao me aproximar do Jardim de Alah, lembrei de uma
canção que compus há muitos anos, logo que cheguei na Cidade Maravilhosa: “Era
verão na cidade de São Sebastião / do meu Rio de Janeiro / fevereiro se rendia /
se entregando por inteiro / seu azul seu mormaço a março que é mês do
desejo..”.
Parei numa barraca de coco e fiquei contemplando
o pôr-do-sol dourado e divino que desmaiava junto ao Morro Dois Irmãos. O sol
caiu lentamente enquanto a lua surgia no céu. Em silêncio, quando somente as
imagens sem música povoavam a minha mente, caminhei até o final do Leblon.
Passei por manifestantes acampados que protestavam contra Cabral.
Sigo em frente e olho para os lados antes de
atravessar a pista. No lado esquerdo, carros retidos diante do sinal fechado.
Olho para o outro lado, não vejo ninguém. Coloco o pé na ciclovia e, num susto,
vejo aproximar-se de mim o vulto de um ciclista todo vestido de preto, numa
velocidade inacreditável. Joguei o corpo para trás, mas senti que o guidon se
chocara contra minha mão esquerda. Urrei de dor.
Ainda tive tempo de escutar alguém que passava
gritar para o desastrado ciclista: “Filho-da-Puta!”, enquanto o sujeito
desaparecia a toda velocidade pela infinita ciclovia. Não havia mais som ou
imagem. Fui direto para uma clínica e obtive o diagnóstico: fratura na mão
esquerda, quatro semanas sem tocar violão. Tive de adiar meu show acústico no
Teatro Oi Casagrande, que estava marcado para o fim do mês (e passou para o dia
17 de setembro).
No dia seguinte, desafiando a mim mesmo, saio
para caminhar com um braço imobilizado e pendurado na tipoia. Muitos param para
me perguntar o que acontecera com minha mão e relato pacientemente o ocorrido.
Um gari da prefeitura se aproxima, cantando “Anunciação”. Quando explico o
acidente, o gari resume, com sabedoria: “ciclovia não é pista de corrida”.
Andar, andar nas ruas do Rio. Desviando dos buracos nas calçadas de pedrinhas
portuguesas e de ciclistas inconsequentes. O direito de um termina quando começa
o do outro.
Alceu Valença
Fonte jc online
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